Número de fundos de pensão com déficit aumenta e setor pede flexibilidade

De acordo com a Abrapp, o número de fundações que tinham déficit triplicou, saindo de 33 entidades no fim de 2012 para 98 até junho de 2013. Embora os dados do segundo semestre ainda não tenham sido computados, nada indica que quadro tenha melhorado significativamente, razão pela qual o setor pede mais flexibilidade do governo com as regras de equacionamento de déficit para superar este momento.

Aumenta o número de fundos de pensão com déficit

O retrato do setor de fundos de pensão não está nada bonito. Com o mau desempenho do mercado financeiro no ano passado, as fundações não bateram as metas de rentabilidade e muitas passaram a ter déficit - ou seja, patrimônio menor do que suas obrigações futuras. A situação, por ora, não é de insolvência, mas o setor pede mais flexibilidade do governo com as regras de equacionamento de déficit para superar este momento sem grandes sobressaltos.

O número de fundações que tinham déficit triplicou, saindo de 33 entidades no fim de 2012 para 98 até junho de 2013, último dado da Abrapp, associação que representa o setor. Ou seja, pelo menos 65 fundos de pensão passaram a rodar no negativo no ano passado. Embora ainda precisem ser computados os dados do segundo semestre, não há sinais de que esse quadro tenha melhorado significativamente.

O saldo negativo das fundações que estão no vermelho somava R$ 24 bilhões em setembro, último dado disponível da Previc, órgão fiscalizador do setor. O valor é 167% maior que o déficit apurado em dezembro de 2012, de R$ 9 bilhões. O valor, porém, equivale a um percentual pequeno, de 3,6%, do patrimônio do setor, que é de R$ 670 bilhões.

Os dirigentes de fundações admitem que a situação inspira preocupação, mas ainda não é alarmante, porque é conjuntural. Ela só se tornaria estrutural se o cenário econômico e de mercado visto no ano passado se prolongasse pelos próximos anos.

Diante disso, os fundos de pensão, representados pela Abrapp, estão pedindo que o governo mude algumas normas de equacionamento de déficit. Hoje, a regra determina que o fundo precisa reequilibrar o saldo negativo - quando participantes e empresa patrocinadora do plano precisam colocar mais dinheiro na carteira - quando ele superar 10% das reservas. As fundações pedem que esse percentual suba temporariamente para 15% até 2015, tempo que o setor acredita ser suficiente para se recuperar.

"O que estamos pedindo é mais tempo para medir a real necessidade de um plano de equacionamento de déficit, chamando mais capital ou mesmo reduzindo benefícios", diz Reginaldo Camilo, vice-presidente do conselho deliberativo da Abrapp e membro do Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC), órgão que tem a competência para formular as regras do setor, em que governo e representantes das fundações têm assento.

Em novembro do ano passado, o governo já aprovou mudanças nas regras para que as fundações tenham mais prazo para resolver situações de déficit. O CNPC aprovou que os fundos de pensão devem desenhar um plano para equacionar déficit de até 10% das reservas depois de três anos consecutivos de saldo negativo. Até então, isso tinha que ser feito após dois exercícios negativos. Caso o déficit seja superior a 10%, o plano de equacionamento tem que ser feito após dois exercícios negativos, e não mais após um único.

Entre as fundações com déficit está a Funcef, dos funcionários da Caixa Econômica Federal, com saldo negativo de R$ 1,37 bilhão apurado em 2012. Segundo Geraldo Aparecido, secretário-geral da Funcef, o déficit responde por menos de 3% dos ativos da entidade e será revertido com a melhor rentabilidade dos ativos nos próximos anos. Os números de 2013 ainda não estão fechados.

Lauro Araújo, diretor da Las Consultoria, defende que as regras levem em conta o nível de solvência das fundações. Segundo ele, um nível de patrimônio que cubra entre 90% e 110% das obrigações do fundo de pensão é seguro. "O ideal é ter o plano equilibrado, os dois extremos [déficit e superávit] são ruins. No caso de superávit, indica que tanto os participantes quanto os patrocinadores colocaram mais dinheiro que o necessário no plano", diz Araújo. Segundo ele, é mais fácil colocar do que tirar recursos do plano, por isso as regras devem ser adequadas para que não exijam que se coloque mais dinheiro do que o necessário em período de déficits.

O setor tinha uma solvência de 103% em 2012, que caiu para 97% em 2013, observa Antônio Gazzoni, presidente da Gama Consultores, que assessora a Abrapp no tema. Ele lembra, porém, que há sistemas em outros países que rodam em torno de 70%.

"Déficits e superávits fazem parte da regra do jogo. O sistema vem tendo superávits consistentes por muito tempo e, agora, alguns fundos estão apresentando déficits", diz Cláudia Muinhos Ricaldoni, presidente da Anapar, associação que representa os participantes de fundos de pensão.

A maior parte dos R$ 670 bilhões administrados pelas fundações está alocada em renda fixa (cerca de 60% do patrimônio), segmento que sofreu bastante no ano passado com a forte desvalorização dos título públicos. A Abrapp estima que a perda contábil da carteira de papéis federais do setor tenha sido de R$ 62 bilhões. Vale ressaltar que essa conta é meramente contábil, pois os fundos não venderam os papéis, o que a tornaria o prejuízo efetivo.

Além da carteira de renda fixa, a de ações, os fundos de pensão também sentiram a queda de 15% do Ibovespa. Diante disso, a projeção da Abrapp, com base em estudo da Gama, é que a rentabilidade do setor no ano passado tenha sido negativa em 6,3%, ante uma meta de retorno de 11,67%.


BB e funcionários voltam a contribuir para Previ
O Banco do Brasil e seus funcionários voltaram este mês a fazer contribuições para o seu fundo de pensão, a Previ, após sete anos de contribuições suspensas no plano 1, o maior da fundação, devido à distribuição de seu superávit - valor do patrimônio acima das obrigações futuras com o pagamento de aposentadoria e pensão. O retorno dos depósitos é necessário porque o superávit atingiu um valor menor do que o necessário para que ele seja distribuído.

A fundação também suspendeu, em dezembro, o pagamento do Benefício Especial Temporário (BET) aos participantes do Plano 1, resultado do acordo sobre a destinação do superávit firmado em 2010. Com ele, os aposentados e pensionistas vinham recebendo 20% a mais sobre o valor de seu benefício. Para o participante que ainda está na ativa, esses valores foram creditados em conta individual e serão disponibilizados no momento da aposentadoria.

A Previ distribui superávit desde 2007, quando o plano 1 tinha R$ 62 bilhões em reservas matemáticas e R$ 52,9 bilhões em superávit. O expressivo "caixa extra" foi possível pela boa performance dos investimentos, principalmente a carteira de renda variável. De 2003 a 2012, o patrimônio da fundação rendeu 601%, enquanto a meta de rentabilidade da Previ no período foi de 207%.

O superávit é dividido em duas contas: Reserva de Contingência e Reserva Especial.
 
Reserva de Contingência é um "colchão de segurança" dentro do superávit de até 25% do valor das reservas matemáticas do plano. "É a nossa tranquilidade para momentos de crise", explicou o presidente da Previ, Dan Conrado, em nota.
 
Reserva Especial é o valor do superávit que excede a reserva de contingência e que pode ser distribuído por meio de suspensão de contribuições, tanto para os participantes quanto para a empresa patrocinadora do plano.

A reserva especial só pode ser distribuída se houver saldo para a suspensão de contribuições por três anos seguidos, explica a fundação. Assim, a Previ interrompeu as contribuições em 2007 até 2010, quando ainda havia superávit e depois renovou a prática até 2013. Fechado os números do ano passado, porém, a reserva de contingência caiu para menos dos 25% exigidos. Com isso, o acordo de suspensão de contribuições não pôde ser renovado, e as contribuições especiais tiveram que acabar.

O superávit é uma conta finita que naturalmente iria acabar com a distribuição de recursos. A volatilidade no mercado em geral e a má performance da Bolsa no ano passado, porém, ajudaram a reduzir esse colchão mais rapidamente.

Os números apurados em 31 de dezembro de 2013 pela Previ mostram que a reserva de contingência do plano 1 estava em R$ 22 bilhões, equivalente a 19% dos R$ 114 bilhões em reservas matemáticas do plano. Para ter os 25% necessários do "colchão de segurança", a cifra teria que ser de R$ 28,5 bilhões.

Os participantes na ativa voltam a contribuir com percentuais entre 1,8% e 7,8% do seu salário para o fundo de pensão, enquanto os assistidos (aposentados e pensionistas) contribuem com 4,8% do benefício. Conforme a regra de paridade, o Banco do Brasil também volta a contribuir com o mesmo percentual que o participante.

"Estamos conscientes e sensíveis ao impacto na vida de cada um dos participantes. Mas não podemos nos furtar de tomar as decisões necessárias, pelo bem do fundo, das pessoas que já se aposentaram e também daquelas que irão se aposentar e receber seus benefícios no futuro", disse Conrado, na nota.

O fundo de pensão dos funcionários do BB é o maior da América Latina em patrimônio, com cerca de R$ 160 bilhões em ativos sob gestão.

Fonte: Valor Econômico (17.01.2014)